Bandidolatria é um fenômeno global

Bandidolatria é um fenômeno global

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Da Favela ao Mundo: Desvendando a Bandidolatria no Brasil e Além

 

O que é bandidolatria?

Bandidolatria refere-se à idealização de criminosos, frequentemente retratados como heróis populares, rebeldes contra o sistema ou vítimas das desigualdades sociais. No Brasil, o termo é amplamente usado para criticar a glorificação de figuras como traficantes, assaltantes ou líderes de facções criminosas, seja na mídia, na cultura popular (como funk, cinema ou literatura) ou em discursos que justificam ações criminosas com base em contextos sociais. A palavra carrega uma conotação crítica, muitas vezes usada por setores conservadores para apontar uma suposta leniência com o crime.

 

Bandidolatria no Brasil: características e exemplos

No Brasil, a bandidolatria é frequentemente associada a:

Funk carioca e cultura popular: Letras de funk proibidão, que celebram o estilo de vida de traficantes ou facções como o Comando Vermelho, são citadas como exemplos. Músicas que exaltam figuras como “Fernandinho Beira-Mar” ou o “Caveirinha” são vistas como formas de bandidolatria.

Mídia e cinema: Filmes como Cidade de Deus (2002) e Tropa de Elite (2007), embora críticos ao crime, às vezes são acusados de romantizar a vida no tráfico ao retratar personagens carismáticos como Zé Pequeno ( que também foi também um dos principais personagens da série Cidade de Deus: A Luta Não Para) ou líderes de facções. Séries como Cidade Invisível também são mencionadas como exemplos de narrativas que podem suavizar a imagem do crime.

Discursos políticos e acadêmicos: Setores da esquerda, especialmente em círculos acadêmicos ou ativistas, são acusados de justificar o crime como uma resposta à desigualdade social, o que críticos chamam de bandidolatria.

Figuras históricas: No Brasil, a bandidolatria tem raízes históricas, como no caso de Lampião, o cangaceiro que, apesar de seus crimes, foi romantizado como um símbolo de resistência contra a opressão no Nordeste. Essa narrativa persiste em cordéis, filmes e na cultura popular.

 

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Lampião em Quadrinhos, publicado em 1996

 

Fatores que alimentam a bandidolatria no Brasil

Desigualdade social: A pobreza extrema e a exclusão social em favelas e periferias criam um terreno fértil para a simpatia por figuras que desafiam o sistema, mesmo que pelo crime.

Desconfiança nas instituições: A percepção de corrupção na polícia, no judiciário e na política leva algumas comunidades a verem criminosos como “protetores” locais, em oposição a um Estado opressor.

Cultura de rebeldia: A glorificação do “malandro” ou do “fora da lei” é uma tradição cultural no Brasil, visível desde o samba até o funk, onde o criminoso é retratado como um anti-herói.

 

Bandidolatria fora do Brasil: é um fenômeno global?

A bandidolatria não é exclusiva do Brasil, embora sua expressão varie de acordo com o contexto cultural, histórico e social de cada país. Abaixo, analiso exemplos de fenômenos semelhantes em outros países, com base em paralelos históricos e contemporâneos:

 

1. Estados Unidos: o mito do “gangster” e do fora da lei

Exemplo: A figura do gangster, como Al Capone na década de 1920, foi romantizada nos EUA durante a Lei Seca. Capone era visto por alguns como um “homem do povo” que desafiava o governo ao fornecer álcool ilegal, apesar de sua brutalidade. Filmes como Scarface (1932 e 1983) e séries como Boardwalk Empire glorificam a vida de mafiosos, criando uma aura de heroísmo em torno de criminosos.

Cultura pop: O hip-hop americano, especialmente o gangsta rap dos anos 1990 (artistas como Tupac Shakur e Notorious B.I.G.), frequentemente retrata a vida de gangues como uma forma de resistência contra a opressão racial e social, similar ao funk proibidão no Brasil. Letras que celebram o crime ou a violência são criticadas por promoverem bandidolatria.

Contexto: A desigualdade racial, a violência policial e a marginalização de comunidades negras e latinas nos EUA criam um ambiente onde criminosos são vistos por alguns como símbolos de rebeldia. Por exemplo, figuras como Pablo Escobar, embora colombiano, ganharam status de “heróis” em algumas comunidades americanas devido à sua imagem de desafio ao sistema.

 

2. México: narcocultura e os “narco-santos”

Exemplo: No México, a narcocultura é um fenômeno bem documentado, onde traficantes como Joaquín “El Chapo” Guzmán são glorificados em narcocorridos (músicas que narram a vida de narcotraficantes). Esses criminosos são retratados como heróis populares que desafiam o governo e ajudam comunidades pobres. Figuras como Jesús Malverde, um suposto bandido do início do século XX, são veneradas como “santos” por narcotraficantes e comunidades marginais.

Cultura pop: Séries como Narcos: México e filmes mexicanos romantizam a vida de traficantes, enquanto altares a Malverde são comuns em áreas controladas por cartéis. Essa glorificação é criticada como bandidolatria.

Contexto: A fraqueza do Estado mexicano em algumas regiões, combinada com a pobreza e a influência dos cartéis, cria uma dinâmica onde traficantes são vistos como provedores de segurança e recursos, similar ao papel de facções como o Comando Vermelho em favelas brasileiras.

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Jesús Malverde, o santo dos narcotraficantes

 

3. Itália: a romantização da máfia

Exemplo: A máfia italiana, como a Cosa Nostra siciliana, é frequentemente romantizada em filmes como O Poderoso Chefão (The Godfather, 1972), que retrata mafiosos como figuras de honra e lealdade familiar, apesar de seus crimes. Chefes como Salvatore Riina ou Bernardo Provenzano, embora brutais, ganharam uma aura de respeito em algumas comunidades sicilianas.

Cultura pop: A máfia é celebrada em filmes, séries e até na moda (como camisetas com imagens de mafiosos), criando uma imagem de poder e carisma. Essa romantização é criticada como uma forma de bandidolatria que ignora a violência e a exploração causadas pela máfia.

Contexto: A máfia muitas vezes preenche lacunas deixadas pelo Estado, oferecendo proteção ou serviços em comunidades pobres, o que gera simpatia popular, similar ao Brasil.

 

4. Austrália: o mito de Ned Kelly

Exemplo: Ned Kelly, um fora da lei do século XIX, é uma figura icônica na Austrália, romantizado como um símbolo de resistência contra a opressão colonial britânica. Apesar de ser um assaltante e assassino, Kelly é celebrado em livros, filmes e até em estátuas como um herói popular.

Cultura pop: A história de Kelly inspirou filmes como Ned Kelly (2003) e canções folk, criando uma narrativa de rebeldia que ecoa a bandidolatria brasileira de Lampião.

Contexto: A desconfiança em autoridades coloniais e a identidade de resistência dos colonos australianos alimentaram a mitificação de Kelly, semelhante ao contexto de desigualdade no Brasil.

 

5. Outros exemplos globais

Colômbia: Pablo Escobar é glorificado em algumas comunidades como um “Robin Hood” que distribuía dinheiro aos pobres, apesar de sua violência. Séries como Narcos amplificam essa imagem, criando uma forma de bandidolatria.

Reino Unido: Criminosos como os Irmãos Kray, gângsteres dos anos 1960, são romantizados em filmes e livros como figuras carismáticas que desafiavam a ordem estabelecida.

Índia: Bandidos como Phoolan Devi, uma fora da lei dos anos 1980, são celebrados como símbolos de resistência contra castas opressivas, especialmente em comunidades marginalizadas.

 

Comparação: o que torna a bandidolatria brasileira única?

Embora a bandidolatria não seja exclusivamente brasileira, ela tem características distintas no Brasil devido a fatores específicos:

Escala da violência urbana: O Brasil tem uma das maiores taxas de homicídios do mundo (cerca de 20 por 100 mil habitantes em 2023, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), e facções como o Comando Vermelho e o PCC dominam comunidades inteiras. Isso cria uma proximidade entre criminosos e moradores, que não é tão intensa em países como a Austrália ou a Itália.

Funk proibidão: O funk carioca, especialmente o proibidão, é um veículo cultural único no Brasil, que dá voz à realidade das favelas e, em alguns casos, glorifica traficantes. Embora o narcocorrido mexicano seja semelhante, o funk tem uma penetração cultural mais ampla no Brasil, influenciando até a classe média.

Polarização política: No Brasil, a bandidolatria é um tema politizado, usado por setores de direita  para criticar a esquerda, que supostamente justificaria o crime em nome da desigualdade. Essa polarização é menos evidente em países como os EUA, onde a romantização de criminosos é mais cultural do que política.

História do cangaço: A figura de Lampião e o cangaço criam uma tradição histórica de bandidolatria que é específica do Brasil, diferente do mito do gangster americano ou do narcotraficante mexicano.

 

Conclusão

A bandidolatria não é um fenômeno exclusivamente brasileiro, mas tem características únicas no Brasil devido à escala da violência urbana, à influência do funk proibidão, à polarização política e à tradição histórica do cangaço. Fenômenos semelhantes existem em outros países, como a narcocultura no México, o mito do gangster nos EUA, a romantização da máfia na Itália e a glorificação de foras da lei como Ned Kelly na Austrália. Esses casos compartilham raízes em desigualdade, desconfiança no Estado e apelo cultural, mas no Brasil a bandidolatria é intensificada pela proximidade entre criminosos e comunidades marginalizadas e pela politização do debate.

 

Indicação de Livros:

Bandidolatria e democídio
Da Silva: a Grande Fake News da Esquerda: o Perfil de um Criminoso Conhecido e Famoso Pela Alcunha Lampião
A História Do Bando De Kelly
Bandidos

 
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